segunda-feira, 3 de abril de 2017

Ao vivo, mas não em estéreo

Nós estamos vivendo uma era em que se é fodidamente pregado que você não tem a obrigação de ser legal. Que você pode explodir e não precisa ser simpático o tempo todo. Que ninguém é obrigado a ouvir os dramas chatos dos outros. Que "bom dia só se for pra você", que simpatia demais é porta aberta para desconfiança. Que positividade é uma chatice clichê. Nós lemos essas coisas e acatamos como nossa verdade. E nós invertemos totalmente os conceitos, achando que está tudo bem, nós fazemos as coisas boas parecerem ruins e as ruins virarem piada. Nós nos transformamos todos os dias em por quês. Nós falamos sobre como o mundo é perverso e as pessoas cruéis esquecendo de enxergar a nossa própria maldade. Nós apontamos o dedo pro outro e julgamos cada passo em falso alheio mas não conseguimos manter os olhos nos erros do nosso próprio caminho. Nós somos omissos. E fazemos coisas terríveis, por estar com raiva, por não ter tido um bom dia, por não gostar de alguém, por estar com medo ou pelo stress da vida. E nós não paramos um segundo sequer pra pensar nos impactos que causamos. Nós nos isentamos da responsabilidade e até nos perguntamos eventualmente se somos boas pessoas, mas não paramos pra riscar onde estamos sendo maus. Nós fazemos coisas ruins, ou vemos coisas ruins acontecendo e não fazemos nada a respeito. Dá no mesmo. Nós rimos da fraqueza dos outros ou compactuamos em algum momento com quem ri. Nós julgamos o tempo todo, nós classificamos as pessoas entre boas e ruins, como se sempre fôssemos as boas e as outras espíritos malignos que merecem punições. Isso tudo está tão errado, esses pedestais, e as pessoas, o mundo todo, tudo, os valores, os pensamentos construídos, as nossas ações, ah, a nossa maldita zona de conforto. E sabe, eu acho mesmo, que a gente tem sim a obrigação de ser legal, porque dar um bom dia é de graça e pode melhorar o dia de alguém ainda que o nosso não esteja sendo efetivamente bom. E ouvir o que uma pessoa que precisa falar tem a dizer não vai fazer os nossos ouvidos caírem. Respirar fundo e contar até três antes de despejar a raiva que estamos sentindo nas pessoas ao redor não tem como fazer com que a gente se enraiveça mais. Ser gentil com o motorista custa menos que a passagem do ônibus. Demonstrar um pouquinho, por maior que seja a nossa dificuldade com essa coisa, não vai arrancar um pedaço da nossa casca... Mas a gente não percebe, a gente não se importa, a gente se omite e a gente mata pessoas todos os dias sem nem saber. E nós podemos mudar tantas histórias, mas não o fazemos. E aí nós nos tornamos por quês. Nós somos por quês. Eu sou um por quê. Eu sou literalmente o por quê e nada pode apagar a minha marca. Mas se eu pudesse gravar uma fita e dizer uma única coisa, eu diria: não seja um por quê.

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